19/01/18

Salve Louro! por Manoel Cavalcante

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Eu escuto cantoria desde quando cheguei em casa, da maternidade. Quando um cantador se encanta, vai um pedaço de mim, um pedaço do que me formou. Adolescente de 15 anos, em 2005, comprei um livro de um dos meus poetas preferidos, era Louro Branco. E ele autografou como fazia verso, curto no tiro, ligeiro feito mijada de rã. Hoje, aos 75 anos, em Caruaru-PE, Louro se foi para fora do combinado, se mandou deixando a queda do verso pronta pra muita gente.

Seu nome batismal era Francisco Maia de Queiroz, nascido no Sítio Feiticeiro, natural da cidade de Jaguaribe-CE. Sem sombra de dúvidas, foi o maior repentista que eu vi cantar e o maior depois de Pinto do Monteiro. Além disso, é um dos, se não for o maior autor de canções clássicas que temos:

1. Saí sem olhar pra ela;
2. Falta de humanidade;
3. Oh Lua;
4. Vaqueiro, gado e mulher;
5. O último adeus do vaqueiro;
6. Justiça de Salomão.

Só aqui cito 6 clássicos do mundo das canções e dos poemas que são de autoria dele.

Nosso gênio morreu de tanto nos fazer rir, morreu de tanto carregar a viola nas costas nas províncias do nordeste, de tanto caricaturar o momento, de tanto fotografar o improviso. Por muitas vezes o vi saltando dos carros de linha, com sua bolsa e a viola, para vender suas fitinhas e os CD's na feira de Pau dos Ferros. E comer em qualquer esquina e pegar qualquer carro de volta. Louro era assim, um poeta puro. Bruto no sentido de ser.

É triste ver um gênio desse ir embora sem o aplauso merecido, sem o reconhecimento, sem as láureas devidas, mas, ao mesmo tempo, a lágrima lava o riso, uma vez que seus versos estão na boca do povo; talvez seja o cantador que os cantadores mais gostem de recitar nas cantorias. Era jocoso, ácido, irreversível, implacável, gênio do gracejo, porém clássico e lírico quando se debruçava sobre a pena. Completo em conteúdo.

Certa vez, ouvi um poeta dizer sobre a morte de Pinto do Monteiro: "a Paraíba perdeu quem foi maior de que ela", agora digo a mesma coisa e ainda amplio, nosso nordeste perdeu quem foi maior de que ele! O "trator do improviso" deixou terra fértil de plena poesia e uma lacuna imensurável na arte. Só de sua verve, dava pra fazer uns 10 ou mais cantadores de primeira linha. Sua voz intrigante, talvez tenha sido um descuido proposital de Deus para ele não nascer perfeito, e aquele batido com força na viola também.

O vate deixa duas obras: "Da casca até o miolo" e "A natureza falando". Livros que eu considero raros e tenho o privilégio de ter um deles autografado. Muitos CD's, muitas gravações e gaitadas marcantes no semblante de quem o viu cantar.

Por fim, termino com sua filosofia hilária, com a profundidade leve que lhe era peculiar:

"De que vale ter dinheiro,
Ouro como os coronéis,
Muitas fazendas de gado,
Milhões de contos de réis
Morrer na bulé dum carro
E ir pro inferno de pés?!"

Salve Louro!
Manoel Cavalcante 

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